terça-feira, 22 de março de 2011

Concerto do Miyavi



No dia dezassete de Março de dois mil e onze, pelas sete horas e meia, realizou-se em Santiago Alquimista uma reunião presidida por Miyavi e com a presença de Andrè e gente e com a seguinte ordem de trabalhos.


Tratava-se de dia de grande excitação. Havia combinado com Andrè que nos encontraríamos mais cedo e tudo, para ficar uma horinha no miradouro. Era o dia do concerto pelo qual eu hiperventilara na biblioteca da faculdade. Era o dia do concerto de Miyavi. E eu havia combinado com Andrè ir para o miradouro com um Don Simon. Até ao início da tarde em que, surpreendentemente, recebo mensagem informando que está doente e que só vai para lá mesmo à hora.


Tudo bem. Vou lanchar com o meu pai. Até tenho sorte, ele está de carro. Até tenho mais sorte, ele que deixar-me à porta. Vamos lanchar ao miradouro da Graça, umas belíssimas torradas naquele pão meio saloio mas que não é bem saloio. E depois ele deixa-me à porta do concerto. Eu levo uma saia cor-de-rosa com fotografias de cães, um saiote por baixo, a t-shirt do Gackt, um cardigan, um blazer com os pins dos cães que a Andrea me trouxe de Londres e um casaco comprido. E, o mais relevante de toda a roupa, levo as botas da Jo, que agora está coxa mas quando eu lhas pedi não estava, que têm uma biqueira de aço toda catita para partir as bocas da criançada.


Procuro a porta, engano-me na porta, encontro o fim da fila, bastantes metros mais abaixo da porta. Pergunto se me posso sentar. Sou convidada a juntar-me a umas moças de Abrantes e de Lisboa, uma das quais era a Cláudia e outra era a Daniela e uma tinha uma irmã chamada Vanessa. Se acaso lerem isto, fizeram a minha espera muito feliz, por isso obrigada. Entretanto vêm dizer que estão a distribuir números. Era mentira, para nos fazer sair do sítio. Aparentemente há uma miudagem que está lá desde as sete da manhã, como se fosse uma grande coisa, e que se auto-afirma como controladora das filamentosas bichas de pessoas que se alinham para entrar no Santiago Alquimista. O que eles não sabiam é que o Santiago Alquimista é um espaço suficiente pequeno para se ver tudo de qualquer ponto e para o artista ver toda a gente de qualquer ponto. Tendo já estado naquele palco, posso garantir que isto é verdade. Mas enfim, estas criaturas irritaram-me solenemente dado que estavam a lançar ordens aleatórias como “ALINHEM-SE TODOS!” ou “VÃO BUSCAR O NÚMERO”, como se mandassem em alguma coisa. Quem quisesse podia perfeitamente ter-lhes passado à frente, pois no amor e nos concertos é tudo válido. Felizmente primamos todos, excepto elas, por educação e – quiçá – mais anos a ir a locais de festividades.


Entretanto abri a minha garrafa de vinho Bávaro que vinha numa cesta que deram à minha mãe, esfumacei-me correctamente e assisti às novas moças com quem me tinha amigado a comer suculentos hambúrgueres do McDonalds. Falámos de concertos, havia uma que já tinha estado em MUCC. Eu cá vi Deus na terra, e acabei por lhes contar. Não lhes queria ter contado, porque não quero causar sentimentos odiosos a ninguém, mas tive de lhes contar para poder meter contexto na minha existência. Além disso, elas não gostavam de Perfume e disseram que fosse ouvir Gazette. Apesar das três músicas que tenho serem uma belíssima treta, irei dar uma segunda oportunidade, enquanto estiver a estudar Clínica das Espécies Pecuárias, ou assim. Depois a fila começou a avançar e eu entrei em pânico, porque Andrè não estava lá. Apesar de estar escrito que aquilo abria às oito e meia, ele convenceu-se que às nove e meia ainda não teria o concerto começado. Liguei-lhe histericamente e ele disse que apanharia um táxi do barco até ao destino. Eu não fiz por menos, deixei as minhas novas amigas entrar e esperei lá fora. Referi que tinha um chapéu? Esqueci-me de referir que tinha um chapéu. E maquilhagem. Eu tinha um chapéu e maquilhagem. Entrou toda a gente e vi o Apokas e a amiga dele, que me cumprimentaram. Tentei fazer com que ficassem lá fora comigo, mas não ficaram, tinham de entrar com a press. Depois vi o rapaz com quem tinha falado na Ramada, que olhou para mim de estranha forma e perguntou se eu era a rapariga do remo. Eu depois, na emoção de tudo, tentei explicar-lhe acerca de Momento Absolutamente Secreto, mas ele olhou para mim e disse que “havia coisas das quais não estava disposto a abdicar”. Espero que ele não tenha ficado com a ideia de que lhe ia roubar os louros e ficar com eles todos para mim. Tudo aquilo que eu quero é ir dançar, pois se posso dançar esta já passa a ser a minha revolução. Ainda espero o contacto dele, para lhe poder mandar umas coisas para acrescentar a uma playlist certamente muito cuidada mas que provavelmente terá falta de electropop.




Ao entrar toda a gente decidi entrar também. Disseram-me que não podia filmar ou tirar fotos, coisa a que obedeci imediatamente dado que nem câmara nem nada tinha comigo. Além disso não compreendo bem como é que se vai para um concerto e se tiram fotos, só mesmo com muita falta de tacto e de concentração no que se está a passar. Fui ver o espaço, encontrei o Apokas outra vez. Neste momento eu talvez estivesse um pouco inatingível. Ofereci-lhe vinho Bávaro e ele fingiu que se ria de eu ter piada, mas mais nada. Insistiu bastante no facto dos dois amigos dele terem trazido umas lirosas. Estavam a comer-se de forma extremamente bizarra, que não descreverei aqui porque é certamente impossível de descrever aquele espectáculo. Só consegui manifestar o meu espanto, pois eu não consigo fazer estas manifestações de adoração e desejo pelo toque humano nem com A, B, C ou M. Expliquei a situação, mas o Apokas não pareceu compreender bem que para mim as litrosas são como a água ou, melhor, como os tremoços. Acompanham, mas não matam a fome.


Finalmente o Andrè chegou. Saí para ir ter com ele, dei-lhe um abraço. Ele perguntou se eu estava com a moca, apelando à frustração por estar doente e não me estar a acompanhar. Eu ainda tinha algum vinho, mas acabei por o beber todo sozinha. Era bem bom. Gasoso. Doce. Esverdeado. O Andrè não quis ir para o pé dos jovens hipersexuados, com medo, por isso descemos. Eu queria mesmo descer. Ele não queria tanto, mas eu precisava do contacto humano. Vimos a merchandise à venda. Contemplei comprar uma t-shirt, mas depois vi que custava 25 euros. Desisti de comprar a t-shirt.


O público estava histérico. Gritava pelo Miyavi constantemente, o desgraçadinho já devia estar farto de os ouvir. E de repente, já lá estava eu em baixo a tirar casacos e chapéu e a abrir caminho com as botas da Jo, apareceu a criatura. Eu ao princípio nem o vi aparecer, era demasiado vulgar. Perfeitamente normal. Depois vi as tatuagens e fiquei contente. Epah, este tipo até é normal. Até é giro. Um tipo destes se não fosse um guitarrista vindo do Japão se calhar até olhava para mim. Parece perfeitamente vulgar. E vindos deste ponto pode resumir-se o concerto a alguns momentos mais importantes. Note-se que o público se manteve sempre histérico, fora de horas, dentro de horas, continuamente. As peruas estavam loucas, mas as frangas não se sabiam soltar convenientemente. Eu também berrava como uma doida, que mais havia de fazer? Tinha casacos e malas (já disse que a minha mala é a mala da tour Requiem&Reminiscence do Gackt? Porque é que eu vim fã do Gackt para um concerto de Miyavi? Talvez na esperança de que ele me visse e depois mandasse uma mensagem ao meu senhor dizendo “Olha bacano! Vi uma maluca que era tua fã no meu concerto!”) pendurados por todos os cabides corporais, por isso não podia bater muitas palminhas. Ele começou com a What’s My Name e essencialmente é o que eu me lembro das músicas que tocou. Tocou mais umas três que recordo com carinho e repetiu uma outra, mas lembro-me melhor das músicas que NÃO tocou, nomeadamente a Selfish Love (se a tocou olhem, não reparei, não dancei, não curti) e a Señor Señora Señorita, que eu queria porque queria e não aconteceram. Mas vejamos as coisas por ordem.


O senhor entrou. Tinha tatuagens aleatórias. Tinha o cabelo normal, com corte de senhora. Não tinha maquilhagem. Tocou a What’s My Name, agradeceu, foi tocando e agradecendo, depois disse que se chamava Miyavi e que vinha from Tokyo yo, e toda a gente berrou feita maluca. Claro que se fosse outra pessoa qualquer lhe tinham atirado com um tijolo, porque é isso o que se faz à chungaria. Depois tocou mais, depois pediu vinte segundos de silêncio pelo Japão. Foi um momento bastante tenso e intenso, estava um clima bastante pesado na sala. Foi um alívio quando ele agradeceu e toda a gente lhe berrou de volta. Depois ele tocou uma balada tétrica, fungando entre cada verso. Eu estava quase a ir dar-lhe um abraço e a dizer-lhe para não chorar. Eu também estive quase a chorar quando ele diz que foi uma decisão difícil vir para a Europa, deixando lá a família e os amigos, e quando eu me lembrei que por família se subentende uma mulher e duas crianças pequenas e quiçá um gato ou uma galinha. Acho que foi neste momento que me apercebi da treta que era o público deste concerto. Quando ouvi a gritaria até pensei que estava bastante composto, que não nos iam envergonhar em frente do homem que cá veio e que vai dizer aos outros como é que nós somos. Mas depois, durante a balada tétrica, estavam duas miúdas a conversar. Estava gente a conversar. Watafoca. Está o homem ali a abrir o coração à vossa frente e vocês estão a conversar? O Andrè até as mandou calar. Depois desapareceu, foi-se sentar e admirar de longe. Eu, por mim, continuei a avançar. Depois ele agradeceu outra vez e tocou mais coisas. Entretanto pôs-se a tocar uma coisa que citava “We love you We love you Kono sekai wa kimi wo aishiteru”. Eu achei fofo. Comecei a cantar também. Antes já tinha sentido que mesmo se ele não falasse ia conseguir mover a multidão. Quando ele se soltou nos agradecimentos e no fungar pelo Japão, acreditei que ele ia mover a multidão. Nesta música, vi-o a mover a multidão. Estava toda a gente a cantar isto, eu também, repetidamente. Com felicidade. Toda a gente a rir. E o gajo também se ria. Param de tocar progressivamente. Saca do telemóvel. Grava-nos. E ninguém para. Nunca me tinham gravado com o celular. Em nenhum concerto, e o leitor pode acreditar que eu já estive em tantos que não os consigo lembrar a todos, tinha acontecido algo assim. Já me vieram dizer que ele faz a mesma coisa em todos os concertos para meter no blog, mas que me interessa? Ele estava a rir. A RIR. Estava feliz. Isso só vale a pena. Ficámos uns bons minutos a cantar isto, e depois acabou. Mandou gritar o lado, o meio, o outro lado, o cima, o atrás, o outro cima. Várias vezes. Depois cantou outra música assim fofa, que eu sabia mas não me lembrava que sabia. Isso também foi um bom momento. Ele disse para nos calarmos que ele queria cantar a música e a sala foi percorrida por um infantil “sssshhh”. Numa ocasião normal seria simplesmente silenciada, por respeito e amor. As pitóides gostam tanto dele que nem sequer fazem o que ele pede sem lhes dizerem chiu. No entanto, ele começou e toda a gente, a medo, baixinho, começou a cantar com ele. Por isso acabou por dizer “ya sing along with me yo” e toda a gente cantou com ele. Depois foi a vez da acústica. Nada de Selfish Love para eu dançar. Depois voltaram as eléctricas. Cantou a Are you Ready to Rock? E quando lhe perguntávamos se estava Ready to Rock ele respondia I am Ready to Rock. Houve ali um momento de comunicação. Houve também ocasião em que eu me convenci que necessitada de ir para o palco ou para a frente, ou qualquer coisa, e magicamente avancei para a terceira fila. Obrigada, botas da Jo. Durante todos estes momentos ele andava meio louco pelo palco a dar-lhe imenso na guitarrada, excelente técnica e soltura avícola. Fabuloso. Não que seja um grande compositor. Não que a escolha das músicas tenha sido a mais brilhante. Mas que o homem toca bem, lá isso toca. Depois pediu outra vez gritos pelo Japão, também os gravou. Já os vi no tubo, mas não pareceram grande coisa a comparar com os Espanhóis. Agradeceu profusamente. Foi-se embora depois de estranho mix electro de guitarra na sua caixinha dos samples. Andrè referiu posteriormente que estavam pessoas a dançar electro como se tivessem ido lá propositadamente para dançar electro. Depois voltou. Tocou outra música outra vez. Vinha de t-shirt. Tinha dito antes que o backstage era frio (pudera, é todo de azulejo) mas que o palco era quente e que nós somos pessoas quentes. Depois foi-se embora completamente e não voltou. E eu fui embora também com o Andrè, para apanhar um autocarro, sem me despedir de ninguém. Tinha encontrado as minhas novas amigas no andar de cima e durante o concerto per-se, mas não houve troca de contactos, uma pena.


Em resumo, havia muita gente diferente, um público disperso e todo interessado, o que é surpreendente. Havia muitas pitas. Havia muito histerismo desnecessário. Havia muita imaturidade de concerto. Muitas fotografias ilegais. Muita gente a curtir como deve ser. Muita gente que só estava lá para gozar mas ainda assim gastou dezassete euros. Muita gente que estava lá completamente perdida. Muita gente que ouviu falar do Miyavi no dia anterior e foi ver porque era Japonês. Muita gente bacana. Muita gente bonita. Muita gente feia. Não estivemos mal, mas podíamos ter estado muito melhor. Teve cenas terríveis, mas também teve momentos extraordinariamente bonitos. Continuo com a We Love You na cabeça desde essa quinta feira, e hoje já é segunda.

Descemos a rua a discutir a idade do Miyavi, aparentemente tem só vinte e sete anos mas já produziu valiosa progenitura à qual faz penteados malucos para se divertir. Discutimos que eu deveria arranjar uma casa no Bairro Alto, para irmos para lá nestas ocasiões. Mas eu pensei no trabalhão que me ia dar a mudar-me. E teria de aprender a cozinhar.

E, nada mais havendo a tratar, foi lavrada a presente acta que, depois de lida e aprovada, vai ser assinada pelo presidente e por mim, a Amiga Imaginária, na qualidade de secretária, que a redigi.

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